RESUMO
O objetivo deste artigo é mostrar que a experiência pentecostal pôde ser vivida e relatada em registros históricos num período posterior ao fechamento do cânon sagrado, com um recorte para os cinco primeiros séculos da igreja cristã. Desde o derramamento do Espírito Santo no dia de pentecostes até os registros feitos pelos chamados Pais da Igreja, as manifestações pentecostais continuaram acontecendo, como uma comprovação do exercício pleno dos dons espirituais num período pós-bíblico. Esses registros fortalecem as crenças e os valores das igrejas pentecostais atuais, que acreditam na atualidade do batismo com Espírito Santo, com a evidência do falar em línguas. Palavras-chave: Movimento Pentecostal. Espírito Santo. Igreja
ABSTRACT
The purpose of this article is to show that the Pentecostal experience could be lived and reported in historical records in a period after the closing of the sacred canon, with a cut for the first five centuries of the Christian church. From the outpouring of the Holy Spirit on the day of Pentecost to the records made by the so-called Fathers of the Church, Pentecostal manifestations continued to occur, as a proof of the full exercise of spiritual gifts in a post-biblical period. These records strengthen the beliefs and values of the current Pentecostal churches, who believe in the actuality of the baptism with the Holy Spirit, with the evidence of speaking in tongues. Key words: Pentecostal Movement; Holy Spirit; Church
INTRODUÇÃO
O pentecostalismo construiu seu pensamento teológico sob a base do evento bíblico que aconteceu cinquenta dias após o domingo da ressurreição de Cristo, explanado em Atos, capítulo 2. Ali, no cenáculo, quando se comemorava o Dia de Pentecostes, houve o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos que aguardavam pelo cumprimento da promessa feita por Jesus Cristo, em Atos 1. Portanto, as crenças e as práticas pentecostais têm base neste evento. Entretanto, o moderno movimento pentecostal traça sua origem no estavam embriagados, de acordo com a resposta do apóstolo Pedro, registrada em Atos 2.14-36, quando citou o texto do Profeta Joel 2.28-32. Esta citação veterotestamentária de Pedro fundamenta a hermenêutica pentecostal “este-é-aquele”. “Essa fusão de horizontes entre a promessa bíblica e a experiência contemporânea é característica dos pentecostais do mundo todo”. Ainda no livro de Atos, as justificativas para as manifestações sobrenaturais e a atenção dada à glossolalia pelos pentecostais, são os textos de Atos 2.16-21; 10.44-46; 19.6 e 1 Coríntios 12.10, onde se lê a respeito das manifestações das línguas.
1- O registro bíblico, a averbação da história e a experiência pessoal como fundamentações da teologia pentecostal.
Dentro de sua história, o fenômeno pentecostal formulou teologicamente a doutrina bíblica da atualidade das manifestações e operações do Espírito Santo na vida do cristão, elencando o batismo no Espírito Santo e tendo as línguas estranhas como evidência inicial, ao contrário dos cessacionistas, “uma corrente de pensamento sustentada por um grupo dentro do cristianismo na qual se afirma que os dons espirituais […] cessaram com o fechamento do cânon das Escrituras”.
Não obstante os eruditos cessacionistas levantarem controvérsias acerca das doutrinas pentecostais, eles têm sua gênese e seu desenvolvimento desde os tempos bíblicos, passando pelos primeiros séculos da era cristã, pelo período da Reforma Protestante (Século XVI), até sua notoriedade mundial no início do século XX. Em outras palavras, o registro bíblico, a averbação da história e a experiência pessoal de milhares de cristãos formam o tripé para a fundamentação da teologia pentecostal. Na verdade, a manifestação e a prática dos dons espirituais podem ser confirmadas desde os primeiros três séculos da igreja, com destaque para o montanismo. “Foi no montanismo, liderado por Montano, que os fenômenos pentecostais encontraram ampla guarida”. “O montanismo surgiu na Frígia, na Ásia Menor Romana (Turquia), por volta do ano 172. Tertuliano foi um de seus adeptos mais importantes”. Em sua pesquisa para a tese de doutorado, o Dr. Ronald Kydd analisou outros diversos documentos da Igreja Primitiva que confirmaram a prática dos dons. Alguns deles são: O Didaquê, e os escritos dos Pais da Igreja, a saber: Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, o Pastor de Hermas, Justino, o Mártir, Eusébio de Cesaréia, entre outros.
2- Uma análise dos documentos antigos sobre a continuidade das manifestações pentecostais num período pós-bíblico.
Em relação ao Didaquê, um documento escrito entre os anos 50 a 100 d.C., é possível ver que ele contém recomendações sobre diversos temas bíblicos, dentre eles, a referência aos profetas e as profecias. Didaquê significa “ensino” ou “doutrina”, em grego, e é conhecido como Instrução dos Doze Apóstolos, mesmo que a maioria dos pesquisadores afirmem que não foram os Doze que escreveram, mas foram as fontes orais que resultaram no texto que tem valor histórico e teológico. O doutor Kydd faz uma comparação com textos bíblicos e os capítulos do Didaquê, certificando a atuação dos profetas e a progressão do ofício do dom de profecia, mesmo depois do fechamento do cânon do Novo Testamento.
Outra citação é de Clemente, que foi o quarto bispo da igreja em Roma e escreveu uma carta à comunidade de Corinto no final do primeiro século. Em um momento da carta, ele faz uma comparação entre o corpo humano e o Corpo de Cristo, que é a igreja, e fala da importância dos dons espirituais para o desenvolvimento da comunidade cristã, mencionando os textos paulinos em que há referência ao Corpo de Cristo e os dons espirituais (Romanos 12.4 e 1Coríntios 12.12-26, por exemplo). “A similaridade entre o pensamento de Paulo e de Clemente sobre os dons espirituais são significativos […] evidência de que os dons espirituais estavam em evidência até o final do primeiro século”.
Inácio de Antioquia, bispo de Antioquia da Síria, entre 68 a 107, foi um dos primeiros líderes da igreja e tornou-se conhecido através das sete cartas que escreveu. Estas cartas têm recebido atenção dos estudiosos por conter informações úteis sobre o primeiro século da igreja. Kydd lembra que numas dessas cartas, a exemplo daquela que Inácio escreve a Policarpo, outro Pai da Igreja, é relatado que Policarpo pedia a Deus por coisas invisíveis, a fim de abundar em graça de Deus. Estas coisas invisíveis seriam uma referência ao uso dos dons espirituais.
“O Pastor de Hermas […], às vezes chamado simplesmente de O Pastor é uma obra literária cristã do século II d.C.” Hermas escreveu de tal modo que sua obra foi considerada como parte do cânon do NT, devido sua singular contribuição para a igreja do segundo século. Entretanto, “o Pastor foi, definitivamente, colocado entre os apócrifos, após o Concílio Ecumênico de Hipona em 393, onde a Igreja definiu o catálogo bíblico”. Hermas escreve entre os anos 142 e 155, portanto, vários anos após a morte dos personagens bíblicos, mas, ele fala sobre os profetas e profecias, a exemplo do paralelo que mostra no capítulo 43 de sua obra, exemplificando o verdadeiro e o falso profeta, e quais suas características. Uma comprovação do exercício pleno dos dons espirituais num período pós-bíblico.
O apologista Justino, conhecido como “o Mártir”, viveu no segundo século depois de Cristo, e ficou conhecido por sua defesa da fé cristã e seu martírio, entre os anos 162 e 168. Em uma de suas obras, em diálogo com Trifão, este sábio que levou-o à fé em Jesus Cristo, Justino comenta sobre os dons espirituais e como ele tem percebido que muitas pessoas estão recebendo os dons de Deus e usando-os na igreja de Cristo.
Finalmente, já no primeiro período do quarto século, há uma figura proeminente na igreja, amigo pessoal do imperador Constantino. Seu nome: Eusébio. Mais conhecido por Eusébio de Cesaréia, por ter se tornado o bispo daquela cidade. Em sua mais importante obra História Eclesiástica, publicada no Brasil pela editora assembleiana CPAD, ele menciona sua opinião sobre a atualidade dos dons espirituais: “Ora, quanto a Montano, Alcebíades e Teódoto na Frígia, primeiro passaram a ser estimados por seus muitos dons, (porquanto havia muitos outros poderes maravilhosos de graça divina…)”.
Considerações finais
Estes testemunhos dos primeiros séculos da igreja cristã propõem que a atuação do Espírito Santo não limitou-se apenas à Igreja Primitiva, muito menos ao fechamento do cânon sagrado. A continuidade da ação do Espírito na igreja, não apenas nas denominações de linha pentecostal, permaneceu desde aqueles tempos até a presente era. Este registro histórico do movimento pentecostal que se iniciou em Jerusalém, no Dia de Pentecostes, com a descida do Espírito, perpetuou-se ao longo da história da igreja. Os registros bíblicos, o testemunho da história e a experiência pessoal de cristãos por todo o mundo são os fundamentos que os pentecostais alicerçam sua crença na atualidade da ação do Espírito, especialmente no que diz respeito à doutrina do batismo com Espírito Santo.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Jorge. Evidências pentecostais na história. Revista Manual do Obreiro, ano 28,
nº 33, 1º trimestre de 2006. Rio de Janeiro: CPAD.
CAMPOS, Bernando. Na força do Espírito: Pentecostalismo, teologia e ética social. In:
GUTIERREZ, Benjamim F. CAMPOS, Leonildo Silveira (ed.) Na força do Espírito – Os
pentecostais na América-Latina: Um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Associação
Literária Pendão Real, 1996.CAMPOS, Bernardo. Da reforma protestante à pentecostalidade da igreja – Debate sobre
o Pentecostalismo na América Latina. São Leopoldo (RS): Sinodal, CLAI, 2002.
GILBERTO, Antônio. Pneumatologia – A doutrina do Espírito Santo. In: Teologia
Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
KYDD, Ronaldo A. N. Charismatic Gifts in the Early Church. Peabody, MA: Hendrickson
Publishers, 1984.
MENZIES, Robert. Pentecostes – Essa história é a nossa história. Rio de Janeiro: CPAD,
2016.
MENZIES, William. HORTON, Stanley. Doutrinas Bíblicas – Uma perspectiva Pentecostal.
Rio de Janeiro: CPAD, 1995
ROMEIRO, Paulo. Montanismo e Pentecostalismo. Disponível em
http://www.teologiapentecostal.com/2013/06/montanismo-e-pentecostalismo.html.
SYNAN, Vinson. O século do Espírito Santo – 100 anos do avivamento pentecostal e
carismático. São Paulo: Editora Vida, 2009.